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COWABUNGA, de Ana Paula Seixlack

 

Como faz quando o autor é bom e o livro é...digamos...péssimo?

Fiquei pensando sobre COMO resenharia Cowabunga. Por um lado, tenho coisas positivas a dizer sobre Ana Paula. Por outro, foi uma leitura torturante para mim. Vou tentar explicar os motivos da minha falta de satisfação, da maneira mais objetiva possível:

 

A premissa é que leríamos sobre um velho surfista, e a narrativa intercalaria entre suas lembranças do passado e sua vida atual. Nesse momento de namoro, me veio a ideia de diversas aventuras em praias lindas, casos de amor interessantes com garotas diferentes, cada uma com uma personalidade distinta e com coisas a ensinar o protagonista/leitor, ação, paisagens de tirar o fôlego, etc. O livro não é NADA disso.

 

Quando conheci o protagonista, Zimbo, pensei: “Meu Deus, que cara chaaaaatoooooooo!!!” parecia um velho nojento, machista, escroto, pagando de gatinho na praia, arrogante e rabugento. Aí pensei: “genial, ela vai me dar essa primeira impressão, e à medida que for conhecendo seu passado e história, vou começar a gostar dele.” Não. O protagonista é isso mesmo. Nem por UM momento sequer senti empatia por ele. OK. Isso não me faria desgostar de um livro, se as outras personagens, a trama, a narrativa, fossem interessantes.

 

Aí entendi que as outras personagens são abordadas de forma superficial, a maioria sem descrição suficiente, que conhecemos apenas por diálogos com o protagonista.

 

Aí comecei a perceber que estava na página 90 e NADA tinha acontecido ainda. Insisti na leitura. E nada aconteceu. Não existe trama. As leves “aventuras” do passado não trazem as imagens que o tema possibilita, não têm ação o suficiente, não fazem o leitor por um segundo sequer sentir interesse no que vai acontecer ou sentir oscilação na frequência cardíaca. Então...para quê ler esse livro? Tive vontade de fazer o que o próprio protagonista faz com seus livros: pular para o final.

 

Algumas coisas me incomodaram: a intercalação de gírias com uma linguagem formal nos diálogos de pessoas simples. Não combinou.

 

Me senti perdida quanto ao momento atual da trama. Se há uma indicação do ano em que a história começa, não percebi. Minha confusão se dá ao fato de que pelos meus cálculos, o protagonista deve ter uns 70 anos, e mesmo assim é descrito como se tivesse 50. Uma menina novinha sente um tesão imediato por ele na praia e o descreve como sendo “um pai tardio ou avô precoce”. Com 70 anos??? Ele é bisavô! Não entendi mesmo.

 

O português não é ruim. Alguns erros, como havaianas (as sandálias mesmo) com “h” minúsculo, alguns “ao invés de” no lugar de “em vez de”, mas em geral a gramática e boa. Em inglês, usou “urtica” no lugar do mais comum “nettle”, mas pode ser que surfistas conheçam bem a planta para se referir à ela dessa forma. Um “walk-talk” no lugar de “walkie-talkie”, igualmente perdoável.

 

Alguns trechos me deixaram “meio assim” por se mostrarem preconceituosos. Leia-se que não estou falando da opinião das personagens, e sim do narrador. O primeiro preconceito que senti foi em relação ao curso de Moda. A personagem cursa Moda na faculdade, e há uma indicação que só escolheu o curso por ser pouco intelectual e fútil. Pois é...isso é tenso. Moda é um curso seríssimo, pelo menos em São Paulo. Pode ser focado em Negócios da Moda ou Design, e nos dois cursos aprende-se cálculo, publicidade e propaganda, visual merchandising, história da arte, história da moda, desenho, programas como CAD e Photoshop, etc. Não é um curso para gente burra.

 

Outra coisa que me incomodou foi que Letícia, a esposa/namorada de Zimbo ficou beeem estereotipada, do jeito ruim mesmo. É descrita como uma mulata que dá em cima de homens mais novos e vive saindo a noite, e passa o dia limpando a casa, lavando, passando e cozinhando para Zimbo (comida que ele joga no lixo), que mora numa cobertura. Ou seja. A esposa parece mais uma empregada (de acordo com estereótipos/preconceito) do que com uma esposa. Não gostei.

 

Pontos positivos?

 

Claro! Vamos à eles: eu sinceramente vejo muito potencial na Ana Paula Seixlack. Tem o português bem mais refinado do que a vasta maioria dos novos autores brasileiros. Dá para ver que a autora tem nível cultural igualmente acima da média, e ela coloca boas referências no livro. Fala de diversos países, de música, de arte com uma facilidade delicada, e indícios de boa pesquisa.

 

Ela também criou histórias bem interessantes para personagens coadjuvantes, com detalhes, com originalidade, e profundidade. Dá para imaginar, só por esses trechos, o potencial ilimitado dela em criar backgrounds, se ousasse mais. O que estraga essas histórias é falta de conteúdo HUMANO. Novamente, Lady Quill pega no pé de vocês por causa disso. Sabe aquela famosa frase de corretores de imóveis? Que o “segredo é localização, localização, localização?” pois é, num livro o segredo é “personagem, personagem, personagem”.

 

Outro ponto positivo foi o entendimento sobre o que estava escrevendo: surfe. Não sou expert. Tenho amigos surfistas, acho lindo e tudo o mais, amo praia e verão e Kelly Slater, mas estou longe de manjar do assunto. Só um surfista calibrado poderia me contrariar quando digo que: manobras, gírias, estilo de vida, filosofia de vida, etc foram bem trabalhados aqui.

 

Então...

 

Então eu fico de joelhos e imploro que Ana Paula escreva outro livro. Um livro com uma trama, ação, história, clímax! Que continue explorando o bom e o mal das personagens, mas que coloque algum traço que nos faça ter simpatia por eles. Menos diálogos talvez? Não sei. Ela precisa filtrar dessa crítica onde quer insistir, por seu SEU estilo próprio, e onde reconhecer suas falhas para se tornar uma autora melhor. Precisa ficar esperta com elogios de amigos e focar em críticas mais maduras do seu trabalho como um caminho para melhorar. Escrever, ela sabe. Criar histórias interessantes, ainda não.

 

Avaliação Lady Quill:

Linguagem e estilo: 3,5

Personagens: 1,5

Trama: 1,0

Originalidade: 3,0

Total: 2,0

 

 

 

 

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