"Enlouquecida" de Sophia Muller
É a primeira semana do Indiecando Livros, e começamos a dividir as obras encaminhadas aos resenhistas disponíveis, e acabei ficando com o Enlouquecida, da autora nacional Sophia Muller.
Isso era complicado, porque a obra foi apresentada como um livro erótico (por isso está nessa categoria do site). Nada contra os eróticos, mas confesso que não sou fã dos “novos” eróticos, os que começaram a pipocar como Gremlins na água quando o Gremlim Rei, Cinquenta Tons, estourou. Péssimas metáforas anos 80 à parte, encarei o desafio. E sou chata. Já li excelentes eróticos – A Vida Sexual de Catherine M., A Casa dos Budas Ditosos, A Trilogia Bela Adormecida, A História de O, Justine, etc. Por isso sou crítica com eles, acho que podem (e devem) ser bem escritos. O gênero não deve comprometer a qualidade da escrita.
Já adianto o seguinte: é melhor do que Cinquenta Tons. Até porque a “obra” de E.L. James não teria passado da triagem de 2 horas do IndieCando, e Enlouquecida passou. Confesso que o prólogo é assustadoramente parecido com o capítulo um da obra Dissolução, da Trilogia Woodsons, assim como outros elementos (nomes iguais: Julie, Mia e outros elementos de linguagem), mas como a história tomou outro rumo, creio ter sido coincidência.
O livro é sobre um casal heterossexual; Clara e Lucas, e o romance totalmente atribulado que vivem, por serem alvo de diversos “vilões”, que aparecem do passado e presente dos protagonistas, para causarem-lhes problemas.
Então embarquei na obra, e eis minhas considerações:
Não é um livro erótico, é um romance com algumas cenas descritivas de sexo. Qual é a diferença? Bom, um livro erótico tem o sexo como tema principal. Esse livro é um romance que envolve um certo grau de suspense e ação, mas definitivamente não é erótico.
Eu senti que a história deve ter sido postada em forma de novela, um capítulo por dia (ou semana, etc), porque ela não segue uma linha de conflitos que encaminham para um clímax, ela tem diversos clímax, como se fosse uma onda. Isso é bom por um lado: o livro não esfria. Por outro, você começa a ficar um pouco cansado (se está lendo no formato romance), do tipo: “putz, e agora, o que foi dessa vez?” Nesse caso, acho que ela deveria adaptá-lo melhor ao formato romance: dimensionar melhor esses conflitos para que o clímax final receba a atenção que merece e o impacto que o leitor espera.
Confesso que senti falta de sentimentos, pensamentos e descrições mais precisas de ambiente e lugares. Não chega a comprometer a obra, mas ela é inteiramente baseada em diálogos.
A história é contada por pontos de vista alternantes entre mocinho e mocinha, e ocasionalmente apresenta um ponto de vista de um vilão. Novamente, percebo certa originalidade na forma como ela descreve a mesma cena por dois ângulos distintos. Por outra, me incomodou ter sempre que “reler” a cena, acho que por vezes ficou cansativo.
As cenas de sexo do começo são boas. Mas senti falta de alguma coisa. O sexo é descrito como “selvagem”, mas de fato não presenciei nada demais. As posições são bem básicas, a descrição dos orgasmos é superficial, senti falta de cheiro, textura, inovação. Por isso também acho que são cenas boas para romances, mas não boas o suficiente para um erótico.
Gostei da ação, de poder contar com que algo surpreendente aconteceria, mas senti que ela desperdiçou uma ótima oportunidade quando narrou um capítulo pelo ponto de vista de uma das vilãs, Carla. Era uma chance única de penetrar a psicologia da vilã, mas a achei sem muita motivação: ela é desequilibrada ou só carente? Seria capaz de matar ou só é mimada? Vi uma vilã mais estereotipada do que humana.
Sobre a linguagem, algumas coisas me incomodaram. Algumas frases parecem ter sido traduzidas do inglês, pelo Google. Exemplos:
“Eu realmente estou ficando fora da porra da minha mente.” = I’m really out of my fucking mind. Né?
“Fodida Merda” = Fucking shit. Né?
“Quando consegui entrar na casa onde era suposto a Clara estar me senti como um super-herói” = when I entered the house where Clara was supposed to be, I felt like a superhero.
Não tenho informações sobre essa obra ter sido escrita primeiramente em inglês, e duvido muito, porque um dos pontos positivos é justamente se passar na nossa realidade. Então não entendi bem a construção dessas frases.
Num nível pessoal, me incomodei com tantos diminutivos: “maridinho, sogrinha, mundinho, cerejinha, bocetinha” etc. Mas isso é pessoal. Algumas pessoas não se incomodam. Achei o uso dos apelidos “bruxinha” e “cerejinha” muito exagerado, sua existência é bacana porque dá identidade à obra, mas deveria ser usado com mais moderação.
Também senti uma falta exorbitante do uso de vírgulas, o que parece comum nas obras independentes, mas nada que não pode ser corrigido.
Alguns erros incluem: homme office (embora o termo apareça depois da forma correta, como “home office”), “sexies” (adjetivo em inglês não tem plural), e alguns erros de concordância.
Não gostei do uso do caps lock por frases e parágrafos inteiros, mas isso também é pessoal. Acho que ela poderia ter escrito: “gritou:”
Também não gostei da repetição de palavras no mesmo parágrafo:
“Fui correndo pro banheiro e acabei vomitando tudo que eu tinha comido. Droga. Logo depois Julie veio ao banheiro para saber se estava tudo bem. Quando ela viu como estava saiu rápido do banheiro.”
Pontos altos:
Fiquei feliz de ler um livro onde a escritora não tem medo de usar palavras como pau, buceta, etc. Pode parecer besteira, mas muitos livros que pretendem falar de sexo não contêm palavras do tipo, como se “sexo selvagem” fosse: “nossa, como você é linda, que excitante”. Então não me senti burra lendo esse livro. Fiquei feliz que ela usa palavrões. Achei que ela foi mais corajosa do que muitas outras autoras que escrevem o mesmo tipo de livro.
O ponto mais alto da história para mim foi um momento espiritual. E olha, isso me surpreendeu, não sou melosa. Mas parece que deu uma quebrada naquela coisa de só ação superficial. Pareceu uma cena que estava no lugar certo, do jeito certo, com as palavras certas. Muller ganhou muitos pontos comigo naquele momento.
Resumindo: vi potencial na escrita, senti uma escritora de um livro para adolescentes, mas com mais para oferecer. Acho que ela deveria investir em adaptar um pouco sua história para um formato romance e mudar a sinopse, porque não se trata de um erótico, e sim um romance adulto.
Acho que para o público ao qual foi destinado, a obra vai agradar. Fiquei curiosa para ver se Sophia Muller consegue abraçar um estilo próprio, que sinto que ela tem, e oferecer uma obra um pouco mais profunda, cenas mais ousadas, personagens mais realistas. Atiçou a curiosidade. Superou expectativas.
Avaliação da Lady Quill: (1-5)
Linguagem e estilo: 2,5
Personagens: 2,5
Trama: 4,0
Originalidade: 3,5
Total: 3,1
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Sophia Muller
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Biografia
Sophia Muller é advogada, nascida em Londrina, norte do Paraná, é uma apaixonada por música, artesanato e livros desde criança, incentivada pelo tio e pela mãe. Começou a escrever depois de uma brincadeira com uma amiga que é blogueira e tornou, a escrita, uma de suas maiores paixões. Atualmente escreve O tipo certo de amor e O segredo de Carolina, ambos disponíveis no aplicativo Wattpad.