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"Obsessão" de S. Grims

 

 

Antes de começar essa resenha, quero discursar sobre um fenômeno atual que acredito ter sido desencadeado por Cinquenta Tons de Cinza. Tenho a impressão de que milhões e milhões de garotas estavam “adormecidas” em relação à leitura, e começaram a ler porque na época de lançamento deste livro as pessoas diziam que “todas as mulheres tinham que lê-lo”. Sempre achei que todas as mulheres tinham que ler Mulheres Que Correm Com os Lobos ou algo do tipo, mas enfim... e aí viram que leitura pode ser prazerosa, e não o que sentiam quando liam os “clássicos” na escola.

 

O que aconteceu então? Esses milhões viraram “leitoras” (atribuo a culpa à Crepúsculo também). Algumas se salvaram e passaram a ler coisas mais densas para intercalar com a leitura fútil e de mero prazer. A grande, vasta maioria NÃO. Resultado? Trilogias eróticas (sexsellers) pulando que nem pipoca por todos os lados. E claro, metade desses milhões decidiram que conseguiam, também, escrever livros do gênero. É só fazer parte de um grupo literário no FB e verá que a cada 3 minutos alguém posta um link para um livro erótico com essas palavras no título: “Paixão”, “Perigo”, “Sedução”, “Selvagem”, “Pimenta”, “Possessão”, etc. Todos tem duas coisas em comum: são pessimamente escritos e as cenas de sexo raramente tem realismo ou inovação (não, virgens não gozam 3 vezes em 4 minutos da primeira relação, a menos que tenham alguma doença).

 

Bom, o livro que venho resenhar hoje NÃO é erótico. Mas creio que ele se encaixa na teoria acima. E peço só mais um minuto de seu tempo antes de justificar minha opinião:

 

O IndieCando Livros é um projeto onde os resenhistas não recebem qualquer coisa como pagamento fora a sensação de que estão contribuindo para a literatura nacional e ajudando novos escritores. Precisamos, por isso, ser sinceros em nossa análise, não apenas para atingir nossos objetivos, mas também para destacar as obras de qualidade no cenário. Portanto, as vezes as resenhas são bem negativas, mas sempre bem justificadas, e nunca pessoais. Não quero ser uma ceifadora de sonhos, pelo contrário, quero que um autor passe pela dor necessária da crítica para trabalhar seus pontos fracos. Qualquer pessoa pode optar por ignorar as críticas feitas aqui: é mais fácil mesmo. Ou pode passar raiva no início, se confortar com amigos que amaram sua obra, mas quando a raiva passar, voltar a escrever, e tentar melhorar.

 

Ou seja: nada aqui é pessoal. Queremos que você continue escrevendo se essa é sua paixão. Mas queremos que escreva de verdade, e não “brinque de escrever”. Então pode ficar com raiva, me xingar, eu aguento. Eu aguento porque sei que estou te fazendo um favor.

 

Vamos ao livro.

 

Obsessão é um livro sobre três amigas e seus relacionamentos amorosos. Um quarteto não tão romântico é formado quando um cara, Fernando, fica “obcecado” por Alice, que está apaixonada por Pedro. Para se aproximar dela, ele fica noivo de sua amiga Paula, também com o intuito de roubar a grana dela. Ou seja, uma trama antiga, já trabalhada à exaustão, com desfecho previsível.

 

Sempre falo aqui a mesma coisa: não tem história, por mais criativa e original que seja, que funcione sem personagens! Obsessão não tem personagens. Tem nomes que falam e agem. Não sei nada sobre eles. Não têm sobrenomes, não sei que empregos têm, que idade têm, onde moram, e muito menos suas historias de vida, aspirações, traços de personalidade...nada! Se me perguntarem: quem é corajoso? Quem é tímido? Quem é mais sério? Eu juro que não saberia dizer. Como eu disse, são nomes comuns: Pedro, Alice, Paula, Fernando, sem passado ou futuro, sem personalidade, robôs. Não tem como eu me importar com eles.  Não faz muito sentido ler sobre eles. Alguns autores usam técnicas para aproximar ou distanciar o leitor das personagens, como Saramago em Ensaio Sobre a Cegueira, no qual as personagens não têm nomes, como “A garota estrábica” ou “a mulher do médico”. Se essa foi a intenção da autora, não deu muito certo. Sugiro extensos exercícios para elaborar em detalhes a personalidade de cada um. Um exemplo: no livro Garota Exemplar, de Gillian Flynn, a personagem Amy Dunne faz um longo discurso sobre a “garota legal”. Esse discurso define sua personalidade de forma intensa e inovadora, interessante. Gillian não escreveu esse discurso para o livro. Na verdade era um exercício pessoal para desenvolver a personalidade de Amy. Ficou tão bom, que ela incluiu na história. Quem leu o livro se lembra do impacto daqueles parágrafos.

 

Com uma trama bem leve e nada inovadora, personagens vazios e diálogos bem básicos, não resta muito que interesse o leitor. Não existe também um estilo de escrita. A obra não tem voz própria. Ela é quase mecânica, narrando fatos e fatos sem nenhum tipo de trabalho linguístico único e de impacto. Colo um parágrafo escolhido ao acaso para você entender a narrativa:

 

“Mariana ficou meio indecisa, não suportava mais ficar nem no mesmo ambiente que Paula depois dos últimos acontecimentos, mas se era uma festa para Alice e ela, as coisas mudavam de figura. Mariana aceitou com relutância, mas logo depois se entusiasmou e ficaram conversando animados como se a festa realmente fosse pra elas. E perceberam que Carlos tinha muitas ideias para festa e que iria ser uma festa de arromba já que ele iria convidar alguns amigos”

 

O livro inteiro tem esse tom, puramente narrativo, sem profundidade, como palavras boiando num lago parado. Para ter voz própria, a autora teria que pegar esse livro como um esqueleto, imprimi-lo, e começar a criar em cima dele, a partir dele. Mudar palavras (comece simples: faça uma pesquisa e anote 20 palavras interessantes que acha que poderia usar), tornar a narrativa mais fluída, usar sinônimos, encontrar uma marca sua para inserir nos momentos adequados. Acrescentar então as personagens depois de exercícios extensos sobre cada um (incluindo maneira de falar, se mexer, detalhes físicos etc). Adicionar elementos inesperados à trama. Em outras palavras: o livro não é para ser descartado. Mas ele não deve passar do ponto de partida excessivamente cru que é.

 

Mais um ponto: o livro tem um formato ligeiramente parecido com outro resenhado por mim nesse site, o “Enlouquecida”, da Sophia Muller, no que diz respeito a dar um passo para trás na história e contar a mesma cena com ponto de vista de outra pessoa. Não conheço as datas de lançamento das obras, mas ficou parecido demais.

 

Mais uma dica: Fernando é uma personagem que pode ser muito bem desenvolvida, por ter todos os traços de um psicopata (sem empatia, narcisista, usa os outros para conseguir o que quer e é sedutor). Faça uma pesquisa sobre o assunto e desenvolva esse cara porque ele foi a única coisa no livro na qual vi potencial para algo inovador.

 

Um ponto positivo: Gostei do final aberto.

 

Avaliação Lady Quill:

Linguagem e estilo: 1,5

Personagens: 0,5

Trama: 1,0

Originalidade: 1,0

Total: 1,0

 

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