"Zylgor" de Luciene Evans
“Você perguntou-me uma vez, se eu tinha lhe contado tudo sobre minhas aventuras. Honestamente posso dizer que contei a verdade. Talvez eu não tenha contado toda ela.
- O Hobbit
Sou do tipo de leitor que lê de tudo, desde que seja bom.
Apesar de não ser tão fã assim de histórias fantasiosas – a senhora afirmação ironica, já que meu autor favorito é Stephen King -, encontro vez ou outra algum que me chama a atenção e que dou uma chance. Vou ser sincero: Se eu estivesse em uma livraria e me deparasse com a capa de Zylgor, eu não compraria. Deixe-me explicar o motivo disso: Atualmente existe um leque de histórias fantasiosas/sobrenaturais sendo lançadas e todas tem a MESMA CARACTERÍSTICA EM COMUM: A falta de domínio do tema.
Você que está lendo essa resenha vai concordar comigo quando digo que existe uma fórmula pronta pra romances desse tipo. Hoje em dia vampiros vão para a escola, fadas vivem como adolescentes comuns e lobisomens são os garotos mais populares nos colégios. A matéria-prima das histórias de super-heróis e seres sobrenaturais sempre foi essa: Anonimato perante a sociedade e um mundo de possibilidades e acontecimentos extraordinários por trás das cortinas.
Isso é um problema? Não. Mas, veja bem, se torna um grande empecilho quando o aspecto que deveria ser mais trabalhado – superpoderes, lendas, dons extraordinários etc etc – fica de canto. Comecei a ler Zylgor com um certo preconceito? Não. E vou contar pra vocês o motivo:
Primeiro que a sinopse é muito interessante e não dá a entender que estamos diante de uma história sobre sereias que ficam penteando seus cabelos em uma pedra na beira do rio. E também porque no prólogo já se percebe que Luciene Evans não brinca de ser escritora e se existem falhas acerca do trabalho dela, jamais poderá ser dito isso: A autora é preguiçosa. Zylgor já me ganhou no começo e foi uma surpresa muito gostosa. Evans não ambientou seu livro aqui no nosso cotidiano fazendo cenas clichês. Ela CRIOU o próprio mundo. Isso mesmo, ela criou tudo o que escreveu e é por isso que pode ser chamada de tudo, menos de preguiçosa.
Talvez o que mais tenha me encantado no livro foi a forma de narrativa dela. Existem pensamentos pincelados, lições de vida que podemos usar pra gente e foram todas distribuidas enquanto nos era oferecido uma trama MUITO CRIATIVA. Cã – Que é o nosso herói mais fofo, engraçado e perspicaz das histórias fantasiosas – tinha uma vida comum como qualquer outro adolescente. Bem, tirando o fato de que não tinha os pais vivos, Cã podia se considerar como mais um na multidão. Não preciso dizer que os dias de normalidade estavam pra acabar quando ele recebeu a visita de um espírito misterioso que o levou para um portal – A nossa trama vai começar a partir daí, mas deixe-me salientar uma característica de Evans que me deixou fascinado: Ela brinca com a sua imaginação de uma forma tão linda que é impossível em alguns momentos interromper a leitura. Não estou falando apenas de cenas envolvendo seres mágicos, mas as descrições do livro. Entenda que Zylgor é um mundo diferente de qualquer outro que você tenha conhecido. E, como eu disse duas vezes, Evans não é preguiçosa – É por isso que eu digo que se você procura por uma prosa inteligente, esse livro é a opção. Quem me conhece sabe que eu amo a natureza de forma ritualistica. Talvez o fato do mundo descrito ser tão lindo em cenários – sua mente vai borbulhar em uma explosão de cores e locais – tenha sido outro ponto pra eu me apaixonar. Ela tem diálogos inteligentes, descritivos e sem pontas soltas.
Voltando ao rumo da nossa trama, nosso personagem se vê sem direção em um mundo completamente novo. Eu não vou mentir, adoraria morar em um lugar como aquele, mas imagine só se a realidade batesse em sua porta. Zylgor seria perfeito se a premissa fosse:
– Continue aqui pelo tempo que quiser e lembre-se que a saída é por ali.
Mas não. O que torna Zylgor um caroço na garganta é justamente outra coisa:
– Continue aqui pelo tempo que quiser e lembre-se que... Não há saída.
De repente o mundo para de ser belo, não é mesmo? Quando não se tem a opção simples de ir e voltar quando se bem entender, o mais límpido reino se torna fétido e escuro. Nosso maravilhoso herói busca maneiras de encontrar o caminho de volta, mas o que vai encontrar nessa jornada é o que torna esse livro tão rico em cenas.
Gostaria de compartilhar aqui uma cena que encheu meus olhos e deixou meu coração palpitando mais rápido de emoção. ( Você precisa me conhecer para entender o motivo disso ). Cã estava sendo atortoado por uma sensação muito ruim: A de estar sendo observado. Ele estava no meio do nada e ouviu ruídos muito suspeitos. Gente, olha que coisa mais linda: Uma canção começou a ser cantada ali mesmo. Isso não seria algo tão impactante, mas imagine que a voz viesse logo após você ter a mais plena certeza que estava sendo seguido. A letra é maravilhosa, mas vou mostrar um trechinho aqui:
Contra perigos vamos lutar
Até a liberdade conquistar
Os que morrerem não farão à toa
Como lindos raios de sol ficarão à solta
Como lindos raios de sol ficarão à solta
Então, aí vem a mágica que aqueceu meu coração e me fez dar um sorrisão:
“– Pare com esse jogo de esconder! Pare de cantar essas charadas sem sentido! – gritou o rapazinho fora de si, desistindo de procurar.
A música cessou. A voz agora falou muito branda e educada.
– Preste mais atenção e verá que não me escondo.”
Vivo em contato com a natureza diariamente. Troco energias com todo o tipo de seres vivos e eu nem imaginava o banquete que esse livro seria nem a quantidade de amigos que ia fazer no decorrer na narrativa. Não espere uma jornada mágica de descobertas, enigmas respondidos e romance arrebatador, simplesmente. Se acha que tudo é colorido o tempo todo, prepare-se para se surpreender: Muitos perigos se escondem até mesmo nos jardins mais belos.
Sou uma pessoa extrema: Não sei falar muito sobre um livro sem soltar Spoilers, mas sei indicar um livro bom. Como eu disse, leio de tudo contanto que me agrade. Zylgor me encantou desde o início com suas descrições belas, lições emocionantes sobre lealdade, amizade e perseverança e nos deixou com um gostinho de quero mais quando terminou. Se você ainda não ficou sabendo, eis uma excelente notícia: Ainda teremos mais três volumes!
Posso afirmar que Zylgor foi uma descoberta. Mais do que isso: Foi um presente. A prosa é elegante, sem clichês idiotas e nos faz pensar em muitos momentos sobre a nossa própria natureza.
“Arana abriu um largo sorriso:
– Não se preocupe, queridinha. Ele estará entretido demais para reparar em coisas pequenas assim. De qualquer maneira, caso ele pergunte, inventarei alguma desculpa. Não deixarei que ele ou quem quer que seja perceba qualquer coisa estranha no meu semblante. Com o passar dos anos me tornei mestra em disfarçar minhas próprias emoções e aprendi a esconder minhas reais intenções.” ( Página 189 )
Você vai amar Zylgor. Vai ficar deslumbrado como eu fiquei com os personagens e suas aventuras em mundo desconhecido. Vai se tornar amigo até mesmo – sim, pode acreditar – de um ciclope. Vai aprender mais sobre a lenda bela que nos é contada desde sempre, mas com um bônus extra: Tudo isso visto do lado de dentro. E, claro, por quem entende do assunto. Até por que, quem é que vai julgar ou apontar erros sobre o mundo que Evans criou sozinha?
Posso não saber o desenrolar todo dessa trama nem o que me espera depois do final incrível desse livro, mas posso afirmar: Um mundo maravilhoso me espera no segundo. Quero adquirir a versão impressa para ter sempre comigo. Se você faz parte de um Clube do Livro e está na sua vez de indicar o título, pegue esse. Se você é um leitor que como eu tem certo preconceito com a nova massa de livros de fantasia e está inseguro quanto Zylgor, pode jogar fora tudo o que te impede de lê-lo. Aqui, os seres vivem como devem viver. Agem como devem agir. Pensam como devem pensar. Prometo que não vai haver nenhum gnomo atrasado para a prova de biologia no segundo colegial. Prometo de dedinho!
RECOMENDADO!
Avaliação de Cleber Noah:
Narrativa: * * * * *
Enredo: * * * *
Personagens: * * * *
Originalidade: * * * * *
Total: 4,5
Ficha da obra:
Título: A princesa das águas (livro I da série Zylgor, composta de 4 livros, 3 ainda a serem publicados)
Gênero: fantasia Formato: ebook
N. de páginas: 285
Autora: Luciene Evans
Ilustrador da capa: Murilo Araújo
SINOPSE: Cã é um garoto órfão de 15 anos cuja vida vira de cabeça para baixo quando um espírito de chuva o conduz a um portal mágico pelo qual ele atravessa para um exótico mundo chamado Zylgor. Sua aventura em Zylgor começa quando ele se vê perdido em um bosque azul. Cã tem apenas duas opções: continuar perdido ou seguir três estranhas criaturinhas. Mas seja qual for a escolha, a sua frente se estenderão situações inusitadas e perigos letais, pois logo descobre que terá que participar de uma arriscada jornada se quiser retornar para seu próprio planeta. Ambientada em um mundo muito diferente do nosso, a história aborda o mito do herói, apresentando Cã, o protagonista, como uma projeção da condição humana no que diz respeito a sua complexidade psicológica, social e ética. Ao mesmo tempo, esse personagem transcende a condição do homem comum, pois representa virtudes que todos nós desejamos alcançar.
Sobre a Autora:
Luciene Evans Nasceu em João Pessoa, PB, onde concluiu o curso de Comunicação Social na Universidade Federal da Paraíba. Trabalhou em teatro nas áreas de produção e direção, além da criação dos textos encenados pelo grupo Matraca. Escreveu 20 peças de teatro para crianças que reuniu em um livro. Zylgor é sua estreia literária no gênero fantasia.