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"Dissolução" de Cláudia Lemes (resenha 1)

 

“Se você olhar para para a face do mal, o mal vai olhar de volta pra você”

 

Atualmente, o mundo literário tem nos oferecido um leque gigantesco de livros lançados. É mais do que comum ver títulos e autores novos surgindo nas prateleiras das livrarias e a impressão que temos é que eles aparecem magicamente, tamanha velocidade. 

 

Sou do tipo de leitor que já tem uma pré lista de tudo o que vai ler e a minha já está com uns quinze figurando. Foi em um grupo de leitura no facebook onde ouvi pela primeira vez sobre o livro Dissolução. No começo, confesso: Não me atraiu muito. Foi um pré julgamento infeliz porque ele se tornaria um dos livros que mais mexeria comigo. Tenho visto tantas obras sendo lançadas – dentre elas de autores nacionais – que deixam muito a desejar. As vezes é por conta de um marketing estrondoroso e acabamos nos decepcionando e vendo que foi só propaganda, as vezes são aqueles que nos pegam pela sinopse e não se mostram atraentes na escrita e por aí vai.

 

Existem vários exemplos de como podemos nos decepcionar com uma obra, mas também existem vários de como podemos nos surpreender. Dissolução não estava na boca de todos os meus amigos, nem sendo comentado em todos os lugares. Não vi propagandas , nem adolescentes suspirando do jeito Cullen. Ele estava praticamente escondido e só sabiam da existência dele algumas pessoas próximas a autora e uma galera X nos EUA. Quando ouvi falar dele e li a sinopse, fiquei interessado. Gosto de temas humanos, realistas e de diálogos que refletem muito a minha realidade. Acho que todo leitor gosta de se identificar com algo e comigo não é diferente. 

 

O que me freou um pouco foi o fato da autora ser Brasileira – Não é preconceito, eu apenas estava calejado demais para algumas obras que tinha lido nos últimos tempos e pensei que Dissolução seria o tipo “Excelente sinopse, conteúdo zero”. Eu disse: Existem vários exemplos no mundo literário de livros que podem nos surpreender. Dissolução veio pra isso? Não. Ele veio pra me surpreender? Bem... Não. FOI MAIS DO QUE ISSO! Dissolução não é o tipo de livro pra você suspirar aqui e um pouco mais adiante. Ele veio pra arrancar seu fôlego. A autora tem algo que muitos escritores passam a vida procurando e não encontram: Voz. É isso mesmo... Voz.

 

Tudo começa em um prólogo eletrizante que já vai deixar as antenas do leitor bem ligadas. Nos é apresentada a personagem Claudia, uma mulher com voz bem ativa e de personalidade forte. O livro, aliás, é dividido em duas partes: O livro de Claudia ou o Livro da Juventude e O livro de Charlie ou O livro da Vingança. Ambos tem doses bem diferentes de certos elementos ( amor, violência, sexo, drama ), mas cada um deles te conduz com maestria para o desfecho. 

 

Vamos começar imaginando que o livro Dissolução é uma viagem de carro que você vai fazer. Apesar de lhe ser dada a autorização pra olhar livremente a paisagem pela janela, você não sabe qual o destino correto. Só posso dar um conselho: Não arrisque palpites acerca do final, porque você vai errar. Admire a paisagem durante todo o trajeto e quando menos esperar você terá chegado ao terminal – Que pode ser feito de um lugar ensolarado ou muito, muito nebuloso.

 

Nebuloso, aliás, define muito bem o casamento de Claudia – Que não está apenas nesse estado, como em uma tempestade daquelas que destroem tudo. Dos muitos e muitos erros que ela poderia cometer, talvez o maior deles foi usar o vestido de milhares de dólares quando se tornou esposa de Tony Conicci. Uma vida regada a luxos exorbitantes, poder, manipulações através de dinheiro e alguns segredos guardadinhos em um passado que de forma invisível e sutil está preparando um jeito de voltar. Quando algo enterrado lá atrás consegue arranjar uma forma de reaparecer é porque existem coisas a serem tratadas – E nesse livro tem, tem muito disso. Passado o erro de se tornar esposa de Tony, Claudia comete outro que pode deixá-la em lençóis ainda piores: Fugir do marido. Ela tem um destino em mãos, destino esse que se encontra na terra de Richard Lynn e Karen Anne Carpenter; e Michael Bolton – A cidade de New Haven.

 

Com a melhor amiga do lado chamada Mia, uma flor de pessoa que passa uma sensação muito gostosa de maternidade, Claudia vai em busca de um futuro incerto, mas que com certeza será melhor do que passar o restante de seus dias ao lado de um homem como Tony. Na outra ponta da corda, sua amiga Evelyn está a espera dela, mas o destino como gosta de brincar com as marionetes fez questão de aprontar uma: O carro de Claudia quebra no meio da estrada. 

 

Não pense que isso demora pra acontecer. O livro não é monótono em momento algum porque os diálogos fervem – Seja com um humor ácido ou uma dose de tensão, ele vai manter seus olhos bem ligados. Até que o carro quebrasse, eu não imaginava qual seria o desenrolar daquilo. Pra ser sincero, o que passou pela minha cabeça foi “Agora o Tony vai encontrá-la antes mesmo dela conseguir fugir e a tal escapatória vai acontecer lá pro final do livro.” E não foi isso o que aconteceu.

 

Gosto de pensar na teoria do caos. Talvez a ideia de uma borboleta bater asas no japão causar um terremoto na China seja um exagero, mas já parou pra pensar em quanta coisa seria diferente se um detalhe ou outro do seu dia fosse alterado por um fator externo? Se foi coincidência ou destino o carro dos irmãos Woodsons passar naquele instante onde duas moças estavam precisando de ajuda, eu não sei. Mas uma coisa é certa: Eles pararem pra ver o que estava acontecendo foi o bater de asas de uma borboleta no japão.  E, o que aconteceu em seguida, foi sim um terremoto na china. Não estou falando de vidas sendo destruídas – ou estou? -, pois existem formas diferentes de terremotos acontecerem na vida de alguém. James e Johnny eram os passageiros do carro que estacionou para ajudá-las e foram os que as levaram para sua casa no intuito de usarem o telefone. 

 

Uma cidade estranha, pessoas estranhas e hábitos desconhecidos. O que isso tem de atrativo para uma mulher amedrontada como Claudia? Tudo. Ela só queria fugir e recomeçar. Evelyn, porém, não atende o telefone e elas são obrigadas a passar a noite na casa dos bons samaritanos que a ajudaram. Devo salientar o amor que sinto pela família dos Woodsons é por motivos específicos: Eles não podem simplesmente serem seus vizinhos, amigos ou colegas de trabalho. VOCÊ pode ser um deles, tamanha dose de realismo que a autora conseguiu colocar em cada personagem. Seja nas falas, pensamentos, atitudes e trejeitos comuns – como pegar um prato, cuidar de uma criança – todos estão muito bem embasados em personalidades que vemos por aí. 

 

Nesse ínterim, temos a presença de dois personagens que vão dar o que falar no livro: Patrick e Julie. O primeiro é irmão de James e Johnny; e Julie – tenho uma paixão avassaladora por ela – é a esposa de James. Foi nessa parte do livro que as coisas começaram a esquentar. Como eu disse, existem formas diferentes de terremotos que acontecerem dentro de uma pessoa. E a autora provou isso com maestria colocando uma tensão sexual tão palpável entre Claudia e Patrick que é difícil não se sentir ruborizado de uma forma deliciosa enquanto lê. Fujo o máximo que posso de clichês prontos e fórmulas já concebidas nesse meio literário ( Moça linda e incrivelmente inteligente; Homem super atraente e mais rico do que deus ) e me senti muito satisfeito ao ver que estava ávido pra saber mais sobre aqueles dois personagens tão humanos que tinham se conectado – E veja bem, tudo isso no primeiro contato entre ambos!

 

Acho que quando um escritor, seja ele de primeira viagem ou pioneiro, se comunica com o leitor de forma direta, tudo fica mais fácil e flui rápido. Talvez existam fórmulas certas pra isso, mas em minha opinião a que está no topo é certamente essa: Transportar a realidade de páginas brancas para a nossa. Quando leio algo que pode acontecer comigo em qualquer dia do ano comovi em várias cenas do livro, fico mais do que feliz e sim excitado. Essa familiarização feita pela autora Cláudia Lemes ficou boa demais pra passar despercebida. É por isso que os leitores poderão se apaixonar pelos personagens já no começo. Eles podem, facilmente, ser você. Falei um pouco dessa tensão sexual que surgiu entre Patrick – Que é um homem em formato de uma linda pedra bruta sem lapidação – e Cláudia, mas existem outros terremotos. Aqueles que começam com pequenos tremores e depois assolam o que estiver na frente. O nome desse é Julie.  Ela, como dito anteriormente, é esposa de James e logo de cara o leitor vai perceber que existe algo de errado com ela. Talvez seja a válvula responsável por tornar as pessoas boas e sociáveis. Julie com poucas palavras me deixou tenso, mas ao mesmo tempo com um sorriso no rosto. Quando personagens sutis e misteriosos aparecem e soltam através de diálogos alguns vislumbres do potencial todo que estão guardando para o restante, presto mais atenção do que o normal. Minhas antenas se ligaram rapidamente com a aparição de Julie e eu sabia que viria caldo grosso por lá – O que eu posso te dizer? Veio mesmo.

 

E você pensa que acabou? Ora essa, é claro que não. Ainda tenho muita coisa a dizer sobre o Livro de Charlie, ou O Livro da Vingança.

 

Lembra o que eu disse sobre a viagem de carro? Imagine que a autora tenha nos levado por um caminho cheio de árvores – algumas com espinhos – e uma paisagem bela. Apesar de você sentir um certo frio vindo do lado de fora, acha melhor ignorar porque a vista está sendo aparentemente calma. Agora imagine que sem razão aparente o céu fique cheio de núvens escuras e um vento enorme abale toda a sua viagem. As portas do carro começam a se abrir e você precisa ser forte pra mantê-las fechadas e não ser tragado pelo vento que com certeza, com certeza mesmo vai te levar pra longe. Imaginou? Foi isso o que aconteceu com a viagem de Charlie, que até os dezoito anos dele, estava sendo tranquila como a nossa. Acontece que Cláudia Lemes não trabalha apenas com pinturas coloridas e em tons neutros. Ela também sabe pintar verdadeiros cenários tristes e com cores escuras. 

 

Ele era só um garoto, apenas um adolescente se tornando homem e que queria descobrir o que fazer da vida quando o vento em sua viagem chegou e o tragou como uma força invisível para fora do carro. Esse vento foi a história contada por sua mãe. Uma história que mudou tudo o que ele pensava sobre caráter e sobre sí mesmo. Algo que o deixou com sangue nas órbitas, prontíssimo para se vingar. Eu poderia dar detalhes do que isso pode ser, mas é justo que o leitor descubra sozinho. Mas... E se eu dissesse que a história da mãe de Charlie ia ricochetear, levando-o para o outro núcleo da trama que já comentei?

 

Como uma maldição que se perpetua pelos tempos, como uma força invisível sendo comandada pelo destino, esses personagens terão desfechos que os conduzirão para o mesmo caminho. O passado não é do tipo que sempre volta quando acertos de contas precisam ser feitos? Antes dele ser enterrado por completo, precisa haver um combate definitivo.  

 

Não posso deixar de comentar sobre O Diário de Beth – Ele vai aparecer em ambas aspartes do livro e é bom que o leitor se prepare para conhecer uma mulher impressionante. Em alguns momentos, dá pra ter uma sensação de que ela move as cordas do nosso entendimento acerca da trama e isso vai desatar alguns nós que vão surgindo. A escrita dela, junto do pensamento místico, é simplesmente cativante. Beth tem o poder de dar um toque de magia em uma narrativa crua e isso tornou o livro mais especial ainda. 

 

E o final, pessoal? O QUE FOI AQUELE FINAL? Se esse livro pecou feio, foi com certeza na parte em que terminou. Por qual razão escritores realmente bons fazem isso conosco? Eles vão nos seduzindo página após página apenas pra nos nocautear na última. 

 

Eu gostaria de falar mais coisas sobre essa trama, mas acho que escrevi demais e preciso fazer as considerações finais sobre esse épico. Dissolução não é o tipo de livro para aqueles que procuram clichês, cenas previsíveis e finais açucarados. Não é para aquele tipo de leitor que espera cenas dramáticas e forçadas ou atos bravamente heróicos envolvendo salvamentos absurdamente e humanamente impossíveis. Dissolução é para aqueles que SABEM que o mundo pode ser lindo, mas também pode vir com uma dose infernal de dor. É para aqueles que convivem diáriamente com pessoas de formas distintas de ver o mundo e que aceitam ou são obrigados a aceitar pela lei da convivência. É o tipo de livro onde os personagens sofrem, riem, choram, gritam e ERRAM. Erram sem medo, erram sem pensar nas consequências e pagam por isso. Não espere um catálogo explícito sobre quem é vilão, mocinho, coadjuvante ou principal. Você pode se apaixonar e idealizar um vilão e ele fazer algo extraordináriamente legal ou o contrário com o mocinho. Não se foque no destino final dessa viagem que Cláudia Lemes quer te conduzir – Olhe pela janela, observe o que tem pra ser mostrado e quando menos esperar, chegará onde deseja. 

 

Só tenho a dizer que o livro Dissolução de Cláudia Lemes me encantou de maneira profunda – E sou muito honesto ao falar isso. Ela é do tipo de autora que vai te criar uma vontade imensa de embarcar em novas viagens. Esse foi apenas o primeiro livro da trilogia e estou muito, muito ansioso por poder viajar mais duas vezes às cegas com elas. Algumas asas de borboletas precisam bater até o desfecho final e alguns terremotos também precisam acontecer.  E eu, com toda a honestidade, mal posso esperar. 

 

Avaliação geral de Cleber Noah:

 

Linguagem: 04 (O motivo dessa nota é por saber que nem todas as pessoas estão habituadas/gostam de diálogos crus e reais como o de Dissolução. Ele contém palavras de cunho sexual, palavrões e expressões que podem ser “ofensivas” para alguns leitores. O que pra mim não interfere em nada, mas mesmo assim vou colocar essa nota pensando na pequena porcentagem que vai aparecer )

Personagens: 05

Trama: 05

Originalidade: 4,5

Total: 4.7 

Clique aqui para ler a resenha de AR Fonseca para o mesmo título.

Cláudia Lemes

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