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"Dissolução" de Cláudia Lemes (resenha AR Fonseca)

 

O livro Dissolução é o primeiro da  trilogia Os Woodsons – The Woodsons, no original. Escrito por Cláudia Lemes, contem a) O livro de Claudia, b) O livro de Charlie e (o interlúdio em a e b ) c) O diário de Beth.

 

Interesse inicial

            Como não sou leitor assíduo deste tipo de literatura – e sou idoso o suficiente para desconfiar de tudo – introduzi-me na obra imaginando um banho de pieguice juvenil, pueril e desvairada.

            Revelo-te que não encontrei isto. E, parafraseando um livro cristão, vi “que era bom”. Fizeram-se várias manhãs e tardes enquanto eu refletia sobre as cenas do livro – que disputava minha atenção com três outros – e na realidade da descrição da autora. Isto quer dizer que foi um início adequado que prenunciava um ciclo de acontecimentos na vida da protagonista (obviamente) da primeira parte: Claudia.

       Adianto-te, contudo, que não é uma leitura mágica que te transporta imediatamente ao lugar pretendido pela autora. É uma leitura – como direi? – densa. Períodos curtos fazem com que a leitura seja mais ágil, contudo os vocábulos utilizados levam a refletir sobre os atos enunciados e seu significado.

 

Sobre o enredo

            Definir a obra a partir da perspectiva simplista de “Claudia (a protagonista, não a autora), causadora de problemas” não é justo. A protagonista da primeira parte – papel intercalado com (o diário de) Beth – delineia a trama para situações simples, mas que se tornam complexas pela ação dos personagens.

            De maneira geral, a trama se volta sobre o desenvolvimento de duas – e provavelmente três nos próximos livros – gerações de Woodsons. Sua descrição é intercalada entre presente e passado, fazendo com que muitas ocorrências atuais tenham um espelho no passado – ou mesmo predição por Beth.

            É uma trama simples, com elementos complexos, contudo previsíveis. Por isto este quesito eu forneço 4 em uma escala de 0 a 5.

 

Sobre os personagens

            Eis um tópico que geralmente eu presto atenção. Incoerências entre ações de personagens me chamam imediatamente atenção. Contudo, nesta obra – que posso comparar com Catadores de Conchas, de Rosamunde Pilcher, na complexidade dos inúmeros personagens – não encontrei mais de um.

            Este um diz respeito à Mia. Melhor amiga de Claudia que se envolve na trama desde o princípio. Sua mudança de comportamento é enorme da vida prévia para a nova em New Haven. Aparentemente antes ela é direta e objetiva – por exemplo numa ligação de Claudia para ela ou na visita de Claudia à Mia. Posteriormente ela se torna melosa, interpretativa, simples e delatora – no sentido de informar coisas que não deveria, mas com intenções pretensamente boas. Contudo odiosamente amiga-pra-qualquer-hora.

            Há personagens-chave pouco descritos, no sentido de profundidade, mas interessantes: Johnny, James e Patrick. Irmãos, filhos de Beth – a do diário – Woodson e portadores de uma maldição – perdão se foi spoiller.

            Provavelmente O Livro de Claudia – parte um de Dissolução – presta-se a focar nas ações, mais do que no perfil e nas concepções de vida, da protagonista. O Diário de Beth – interlúdio entre os capítulos da parte um e dois – foca na mãe dos sujeitos citados no parágrafo acima em uma época de adaptação a New Haven – perdão, não consigo escrever o nome da cidade sem utilizar o itálico provavelmente por ser um estrangeirismo.

            O diário de Charlie, o que dizer desta excelente parte do livro? Simplesmente foi tão bem escrito quanto o desenvolvimento do personagem Gilliat da obra Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo. Fluido, consistente, coerente e profundo. No quesito personagem, se levasse em consideração apenas esta parte a autora mereceria 5, numa escala de 0 a 5. Mas os dados acima sobre a parte um – O Livro de Claudia – e a velocidade dos acontecimentos e parcas descrições em O Diário de Beth me levam a qualificar o total de Dissolução quanto aos personagens em 3, na mesma escala acima.

 

Sobre o potencial da autora

            Imagino que, pelo fim de Dissolução, os outros livros ainda focarão as intrigas, amores, cenas de sexo, choro, alívio e desesperança de Claudia e d’Os Woodsons.

            Juro-te que não esperava – como pessimista que sou – que uma trama inicialmente rápida pudesse levar mais de 500 páginas numa coerência tão boa quanto Dissolução. Mas Cláudia Lemes o fez. Rica e majestosamente no que concerne a entrelaçar os capítulos e as partes, contando percepções da mesma cena sem recorrer ao, já clichê, capítulo por personagem. A autora utiliza Parte-por-narrativa, obviamente é um termo que acabei de inventar para te informar que um capítulo contem visão de vários personagens, contudo focados em um protagonista. Recurso excelente de um narrador (quase) onisciente. O quase existe pela limitação temporal que a autora se preza para salvaguardar outros capítulos. O narrador não revela todos os entraves enfrentados no passado durante um capítulo. As justificativas e pano-de-fundo ficam diluídos pelo livro de uma maneira coerente e sagaz.

            Então, o potencial da autora será fenomenal se ela aplicar a descrição da parte chamada O Livro de Charlie para a situação, por exemplo, de Patrick, já que ele parece muito importante para o seguimento do legado de Beth. Disto posto, imputo nota 4 neste quesito.

 

Cuidados e medos

            Prezo-me em informar que Dissolução não é, como disse na primeira parte, um romance meloso. Tem cenas excelentes de sexo bem justificadas, não são apenas para cobrir linhas de ausência de inspiração. Há intrigas mil! Quase me senti nos imbróglios de Crime e Castigo, de Dostoiévski, quando pensava nos atos dos personagens e sua justificativas bem delineadas – mesmo que os próprios personagens não se deem conta – que levam a compreender “o direito (não-declarado) de cometer crimes”. Sim, há crimes – a família mafiosa Conicci que o diga. Vários (crimes). Um deles é não ler Dissolução.

Clique aqui para ler a resenha de Cleber Noah para o mesmo título.

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